domingo, 19 de janeiro de 2014

Velas acesas



Dentro de tuas auroras, orvalhadas ainda, colho as flores mais estranhas deste sonho e nada mais me assusta. Não se pode temer o crepúsculo dentro da felicidade que se esboça em todos os horizontes. Quando o roteiro das estrelas faz acederem-se as velas é porque a luz começa a tocar a Terra. Caminhar torna-se então como deslizar sobre nuvens ou flutuar sobre águas mansas.
        Círculos de bronze marcam a nova jornada, enquanto como planta floresço, enquanto como pássaro canto e, em cada voz me reconheço. Ensinar ao mundo o entreabrir de pétalas é tarefa suave de leves contatos...
        Dentro deste encantamento recobro-me de todas as violências passadas e indefinidas e vejo despertarem rios e fontes onde beber é a Lei natural e íntima.
        Do convívio constante com o mar, levanto-me para ver crescerem sobre a Terra, todas as perdidas irradiações do amor, cada dia maior, cada hora mais universal – como um reencontrar de irmão ou de amorosos muito antigos e quase perdidos. Em cada mão a minha mão se toca e a reconhece e a estima.
        De qualquer lábio brota a mesma palavra como semente de uma só árvore, como raiz de planta irmã.
        Porque tudo é bom, há paz; cada gesto de amor se corresponde para que se abrevie a fusão final. Pairam, no ar, as estrelas do milagre; aguardemos o amanhã.
        Rosas e violetas marcam o perfume da estrada, como se dependesse delas chamar os mais incrédulos, acordar os que dormem, espalhar esperanças, indiscriminadamente...
        Sem dúvida é tempo de auroras mais brilhantes.
        Por que, então, se teria medo deste céu liso, imponderável, falando azul em todas as dimensões? Por que se desconhecer sua força que ultrapassa nossos limites numa promessa mágica de infinito?
        Há, pairando no ar, um chamado violento de amplidão. E, cada vez que o céu se põe assim, morre-se um pouco para a Terra, esvai-se da carne, desenraiza-se do solo, tentando levantar-se acima dos divisores das serras distantes. Cada vez que ele mostra-se assim, desliga-se do mundo, esquecendo-se compromissos que não nos dizem nada dentro da unidade comum, para que a solidariedade aflore. Nesta hora comunga-se com o último e mais puro azul.
        Cada vez que se renova o convite, sem desvão ou sombras, liberta-se do grande instinto de ser parcela, de persistir-se isolado. Desvitalizam-se as dimensões, as afirmações individuais e divididas para se atingir um todo que nos assombra e absorve; que nos completa.
        Dentro das auroras orvalhadas, há um primeiro passo para a realidade, prepara-se a definitiva largada, repleta de infinito e sente-se que tudo é pobre junto ao conhecimento maior.

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