quinta-feira, 31 de maio de 2018

Dias de Luz


Há dias em que as águas se fazem mais azuis, como orgulhosas de si mesmas, de um azul tão profundo que chega a parecer lágrima nas pupilas infantis de Ana.
O sol ganha mais luz e raios novos para começar a manhã. Há dias que são feitos com carinhos e cuidados especiais, porque foram marcados, há longo tempo, no calendário.

As horas têm, então, um significado certo e precioso – uma fisionomia toda própria. Cada uma é a data inadiável, repleta de segredo, que fica fazendo surpresa à toa.
Só não as sente plenas quem está muito inquieto ou descrente da doçura, quem se esqueceu de prender bem os olhos ao azul mais intenso da água ou aos raios de luz muito novos.

Há dias em que as ruas se fazem mais largas e combinam encontro em todas as esquinas, ou convidam a caminhadas extensas para contar coisas curiosas ou mostrar as árvores onde dormem nomes entrelaçados.

Esquecem o tédio e a súplica das mágoas. A música chega tão perto que é parte da cadência dos gestos e o canto nasce leve, como um pedaço do tempo. Só não os viu quem não foi tocado pela luz ou o poema que nasce dela.
Depois as horas amadurecem e tentam fazer tristeza ou convidar a sombra e a solidão. Chamam a bruma dos dias opacos e desalentados, convidam o silêncio velho. A saudade debruça-se dolorida sobre as ruas, como se as fadas estivessem mortas e os sonhos perdidos.

Mas quando a realidade cinge o corpo com braços de terra e medo, os olhos brilham ainda cheios de cores e música. Pois onde houve um dia de luz, há vestígio de alegria, gérmen de sorriso fragmento de esperança. Onde passa o sonho fica um raio luminoso, desafiando os descrentes.

domingo, 20 de maio de 2018

A Ação do Som


No princípio era o Verbo... o som supremo. O som permeia todas as coisas criadas e é modificado segundo a frequência da vibração e a consciência de quem o emprega.

Cada letra e cada palavra tem vibração própria e seu efeito correspondente.
Um mantra, por exemplo, é um som harmonioso que, repetido corretamente, pode aquietar a emoção e a mente, chegando a elevá-la ao nível da alma, em alguns casos.

Somos, portanto, responsáveis pela qualidade de sons que emitimos, seu ritmo, sua modulação, sua altura, pois eles criam campos de vibrações muito variados; límpidos e suaves, ou escuros e densos. E isso torna nossa aura e nosso ambiente impregnados dessas qualidades.

A emissão constante de palavras negativas, ou ásperas e baixas, irradia vibrações desarmônicas e atraem forças igualmente destrutivas e desordenadas. O hábito tido como moderno, de usar palavrão, corriqueiramente, é fonte de atração de forças densas, escuras e desagregadoras, ou de males e desastres.

A dissonância da música atual da juventude revela o quanto os jovens estão desassossegados, inquietos, tensos e inconformados, e, isso, aliado a gestos descontrolados, aumenta a sua própria angústia e desarmonia, e os confunde, em lugar de equilibrá-los.

O som é possante em sua ação vibratória sobre os nervos e os ouvidos, e os resultados já aparecem em todos os níveis sociais, nas drogas e na agressividade, na falta de ética e de decoro.

Nossa época de transição é marcada, sobretudo pelo uso descontrolado de formas, hábitos e sons preferidos pelos que ainda não despertaram para seus potenciais mais elevados.

Corpo e mente são inseparáveis e igualmente afetados por harmonias e dissonâncias, por claridades e escuridões, vindos de campos sonoros, mentais e visuais, pois vibra e tudo resulta em ação.

Os que buscam o silêncio das meditações, as músicas suaves e os ambientes harmoniosos percebem logo uma forma fácil de entrar em serenidade em níveis de maior paz e criatividade.
Palavras são manifestações da consciência e vibram interna e externamente nos indivíduos.
Pretaremos conta de cada uma das nossas palavras, diz a Bíblia, nos dando uma chave de conhecimento. Até o nome próprio é um mantra pessoal para quem sabe usá-lo em quietude e sintonia.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Apenas Saudade...


Entrando na sala, revi a toalha sobre a mesa.  Um linho ainda amarelo vivo, bordado com holandesas de saia vermelha, apertou-me o coração. O passo diminuiu, os olhos pararam, a sala segurou-me.

Fiquei transitando no susto da reminiscência de quem quer e teme e não desvenda. Abri os olhos, fechei-os parada entre o passado e o presente, sem lugar definido.  O sentimento doeu-me naquele pedaço de pano retirado da infância. Dor sem explicação, sem vínculo, sem roteiro certo. A toalha ligou-me ao que eu não mais sabia: flor de festa, pedaço de lágrimas, canção de dúvida.

--- O que? ---Por que? Fragmento do que foi, saudade talvez. Uma pergunta longa sobre os olhos úmidos e a garganta seca. A toalha puxando um sentimento velho e novo. Saudade.

Encontro profundo com algum instante muito amado, ou, quem sabe, muito sofrido. A toalha dos dias de festa, dos dias de aniversário, dos tempos de criança. Rumor do riso de mil bocas que se desgarraram neste mundo, perdidas em casas novas e cidades afastadas.

No avental da holandesa havia uma palavra prestes a escapar-se e qualquer coisa indefinida em suas faces de bonecas mudas. Dominando tudo, o impacto de um amarelo muito antigo e verdadeiro, muito real e infantil, nos olhos já adultos. E a cor permaneceu sempre comigo, fazendo história, dizendo poema, inventando. Dei-lhe forma e ternura para que me libertasse. Porém, ela preferiu permanecer incógnita sob aquele linho.

Um amarelo que se repete sempre e se completa como um sonho de Van Gogh, para um dia, quem sabe, revelar-me o segredo final.
Mas, no momento, é apenas saudade.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Elos Invisíveis


Por vezes parece-me estar ressurgindo da neblina de um passado que já nem sei se realmente é meu, tão diferente se põe agora junto a nós. Nossa última descoberta continua sendo um mundo de surpresas. Tenho, por momentos, a impressão de que nunca existimos isoladamente, sem qualquer elo, por mais tênue que fosse, sem qualquer compreensão por mais sútil que nos pareça.
Isto pode ser até uma nova vida ou ser o começo da morte, mas sem dúvida, é uma união que não teme o tempo e o espaço, sem definição, sem possibilidade de perda irreparável, ainda que nos ponha, por vezes, medrosos do real encantamento.
Nada parece-nos bastante palpável ou positivamente estável, mas tudo é definitivamente possível nesse ressurgir de coincidências, de paralelos, de passos em uníssono. Tudo nos é agora comum, como se fôramos, há muito, preparando esta estrada, quase nossa, que ainda não está pronta, mas já nos deslumbra.
Tudo além, deve ser luz e, poderei provar-lhe um dia se, novamente nos descobrirmos, exatamente no mesmo momento, como acontece agora.