quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

De mãos dadas com a esperança


Seria fácil sentarmo-nos e, de mãos dadas, dizermos que o mundo é bom e o homem, aos poucos, se redime de tudo, até do medo de si próprio, de sua origem e de seu destino. Seria honesto falarmos de amor como se fôramos adolescentes e deste amor dependesse a realização de nossas vidas.

Porém, a realidade que pesa sobre nossos ombros é superior aos nossos esforços de sermos lucidamente iguais a todos aqueles que facilmente se sentam, e de mãos dadas, creem num mundo que ainda não foi descoberto em seu íntimo. Há momentos que os atrai e deslumbra e lhes acena em seu exterior, com todos os vínculos de natural beleza e provável realização externa.

Todas as flores que juntos plantamos são como germens de luta e conquista que deverão reconduzir-nos aos recantos mais profundos de nossos destinos e deixar-nos, talvez, isolados em nossa mansa união de companheiros em busca do Graal.

Pelas manhãs florescerão nossos sorrisos como cúmplices fiéis de nossos melhores esforços no caminho do sol. E, à tarde, vigiaremos as estrelas, cada vez mais assustados por sua imensa distância de nosso inabordável silêncio, ainda de mãos dadas. Neste encontro, sob a noite que se faz sempre nossa e sempre mais profunda, como se fora nosso destino, depositaremos nela muitas esperanças.


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Caros leitores.
Desejo a vocês, leitores desse blog, um FELIZ NATAL cheio de saúde e paz e um ANO NOVO com muita esperança para dias melhores.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Rodízio


- Que noite é essa?
A tarde morreu agoniada e fria, como medrosa de viver, e os sonhos me abandonaram.
- Quem quer essa noite para si?
Só ficaram estrelas arrepiadas num céu sem promessa. Vou buscar a lua ou o farol do porto.
As lembranças tristes não devem regressar e, para espantá-las, vou desenhar no céu de luto uma noite diferente.
A alegria riu de mim, mas certamente, não poderá fugir. Entretanto, o meu rosto está plenamente desamparado.
Porém, resolvi não chorar. Perdoem-me se estou desfeita, olhos tristes, voz apagada. Era dia de chorar e resolvi não o fazer. Resolvi assim, de caso pensado, como quem vai tomar um trem. Resolução inabalável, bagagem pronta. Decisão firme, quase atrevida, para não voltar atrás.
Vou antes conversar com todos e copiar o sorriso de alguém --- de quem o tiver mais franco --- vou ter talvez, a tua voz e, por um momento, dizer as palavras que li ontem. Se não bastar, irei no automóvel de janelas abertas encontrar-me com o vento, misturar-me nele para tirar esta expressão de angústia.
- Alguém quer o meu passeio?
Vou olhar as casas como se fossem todas novas e cada uma tivesse um segredo a revelar. Seguir pelas ruas silenciosas que não conheço e parar na praça onde a fonte luminosa escreve poesia.
Depois, quando minha face não mais assustar a criança de olhos milagrosos, vou contar para ela uma história fantástica, que os meninos sempre fazem verdadeira. Quando for contá-la, tenho a certeza de que terei o sorriso todo meu, e o brilho dos olhos já estará presente, as palavras também serão concretas. Poderei, então, ter ao colo as realidades todas, porque as lágrimas que não chorei estarão adormecidas, guardadas no aquecimento, como se fossem falsas.
No rodízio dos dias, hoje era o dia da tristeza. Mas preferi dizer às crianças que todos os dias lhes seriam festivos, se guardassem com carinho a alegria que nasceu com elas.
- Quem quer essa hora para si?

(Texto extraído do livro LUZ SOBRE O MAR/1967, p.29, de Célia Laborne)