- Que noite é essa?
A tarde morreu agoniada e fria, como medrosa de viver, e os sonhos me
abandonaram.
- Quem quer essa noite para si?
Só ficaram estrelas arrepiadas num céu sem promessa. Vou buscar a lua ou
o farol do porto.
As lembranças tristes não devem regressar e, para espantá-las, vou
desenhar no céu de luto uma noite diferente.
A alegria riu de mim, mas certamente, não poderá fugir. Entretanto, o
meu rosto está plenamente desamparado.
Porém, resolvi não chorar. Perdoem-me se estou desfeita, olhos tristes,
voz apagada. Era dia de chorar e resolvi não o fazer. Resolvi assim, de caso
pensado, como quem vai tomar um trem. Resolução inabalável, bagagem pronta.
Decisão firme, quase atrevida, para não voltar atrás.
Vou antes conversar com todos e copiar o sorriso de alguém --- de quem o
tiver mais franco --- vou ter talvez, a tua voz e, por um momento, dizer as
palavras que li ontem. Se não bastar, irei no automóvel de janelas abertas
encontrar-me com o vento, misturar-me nele para tirar esta expressão de
angústia.
- Alguém quer o meu passeio?
Vou olhar as casas como se fossem todas novas e cada uma tivesse um
segredo a revelar. Seguir pelas ruas silenciosas que não conheço e parar na
praça onde a fonte luminosa escreve poesia.
Depois, quando minha face não mais assustar a criança de olhos
milagrosos, vou contar para ela uma história fantástica, que os meninos sempre
fazem verdadeira. Quando for contá-la, tenho a certeza de que terei o sorriso
todo meu, e o brilho dos olhos já estará presente, as palavras também serão
concretas. Poderei, então, ter ao colo as realidades todas, porque as lágrimas
que não chorei estarão adormecidas, guardadas no aquecimento, como se fossem
falsas.
No rodízio dos dias, hoje era o dia da tristeza. Mas preferi dizer às
crianças que todos os dias lhes seriam festivos, se guardassem com carinho a
alegria que nasceu com elas.
- Quem
quer essa hora para si?
(Texto
extraído do livro LUZ SOBRE O MAR/1967, p.29, de Célia Laborne)
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