segunda-feira, 30 de julho de 2018

Rosas Silvestres



Não te aborreças e toma em tuas mãos, como passageiro, este transbordar de rosas silvestres, em plena floração, projetando perfume e espinho. Este é o caminho que me foi dado e, se cruzar com o teu, não te assustes, posso ser apenas a viajante.
Vim marcada, inquieta com tantas pétalas de veludo e cor, como um vegetal; mais emoção que planta, mais harmonia que som pleiteando o sol.
Levantar, cada vez mais, as palavras sob o sopro do vento e em direção à luz é como ter brasas sob os pés e pira sob o corpo. Só a promessa de um céu puro, além do abismo, nos anima e, como estamos lado a lado, conheço-te as lutas, as marcas de fogo sobre os dedos. A cada novo caminho, nosso transporte reagirá como flor cujo destino é evoluir e crescer para dominar todas as sombras.
Mas, viemos tão mansamente, tão inesperadamente que cada palavra nossa, igual, é uma surpresa; cada reconhecimento é um reencontro de passado e de vida. De todas as formas que sabemos armar e que nos unem mais, apesar de todas as fugas, a mais sutil é a que se esboça sob o  quase-sorrir, o quase-falar, o super-sentir de planta que vai pleitear a eternidade.
A dádiva que cada espera, que não buscamos, vem ao nosso encontro, como coisa própria e estabelecida, conquistada através de séculos, para a compreensão final.
A abstração do que fomos ou do que seremos são românticos pontos de contato na aridez de nossas vidas; como se só assim pudéssemos prosseguir.
Apesar de todos os subterfúgios e a constante vigilância que nos impusemos para que nada fosse revelado, nada fosse muito comum, o encontro foi sempre uma realidade que tanto nos assustava quanto hoje nos engrandece e explode a cada hora.
 
(Extraído do livro LUZ SOBRE O MAR, editado pela Imprensa Oficial, BH, 1967

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Sem Segredos


Ontem, choveu estrelas em nossa noite clara e fomos retirados do tempo, para um instante de participação na festa universal.
Ontem, era data de encontro e não havia segredo para ninguém; pelo contrário, os portões estavam abertos e o caminho sem barreiras. Porque havia silêncio e o clima era tranquilo, as vibrações tocaram mais de perto as cordas sensíveis e o som da criação formou a primeira escala; assim, como se a música fosse o início da vida. Todos os que tinham o ouvido apurado o perceberam.
Agora, os livros estão abertos ao mundo, as comunicações estão ao alcance de quase todos e basta focalizar, por um momento, o grande silêncio, para que as luzes se manifestem na tela interior e acordem o hóspede que desceu à terra.
As horas estão fugindo, rapidamente, assinaladas por deveres inadiáveis e os caminhantes da paz estão fechando o cerco. Quem puder, defina-se.
Ontem choveu luz em nossa noite e as estrelas foram compartilhadas com os companheiros que se sentaram no mesmo solo amarelo da preparação.
Já temos revelado que, no momento, compete-nos dar testemunho da existência da luz e do convite geral que, sutil, mas em fase crescente, se espelha pelo mundo. Por isso contamos sobre essa noite iluminada, onde as mãos foram dadas e velas se acenderam no templo com um brilho novo; prepara tuas mãos...
De repente, no meio das claridades, vê-se como são curtas as palavras e imperfeita nossa tentativa de colocar vivências ao alcance de cada porta.
A madrugada ronda o mundo e, o silêncio prenuncia a chegada, a presença, o encontro.

(Do livro O QUINTO LÓTUS, páginas 69 e 70 – Célia Laborne)

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Comunicação

E, de repente, estávamos assim lado a lado e sorrias tantas alegrias, que parecia haveres sintetizado o sonho de mil histórias construídas para a festa mais sutil e leve de nossa vida.
E, por muito tempo, permanecemos juntos, às vezes dialogando – sem vê-lo – com todo um grupo interessado em concretas realidades, em banais realidades.
Tudo assistíamos, de tudo aparentemente participávamos para que nosso embaraço fosse escondido de nós mesmos e do medo de, de repente, sentirmos que nos comunicávamos, suavemente, fora da órbita em que gravitavam as conversas e os interesses mais imediatos.
E, lembro-me bem, era o teu sorriso muito amplo, um tanto nervoso, belamente artificializado que marcava mais aquela hora, como se dele dependessem todas as nossas futuras alegrias. E, nesta hora, a profundidade dos teus olhos se fez tão sem limites que, por um instante, achei-me perdida na noite mais cheia de constelações, e labirintos e grutas. Encantou-me a presença luminosa de realidades que não iriam jamais amanhecer, pois são demasiado fugazes todas as viagens pelo interior iluminado de um olhar assustado e irreprimivelmente aberto a outro olhar.
E, por um momento, a noite foi mais fantástica do que as histórias e as realidades palpáveis, tão distanciadas de nossa peregrinação de loucos poetas pelo mundo do faz de conta, pela terra dos estreitos encantamentos que só atingimos quando se purifica uma parte de nosso ser pelo amor, enlevo ou a indefinida ternura.
E, o mais estranho, é que depois, como se a noite se apagasse, não chegamos, sequer, a nos despedirmos.